quarta-feira, novembro 01, 2006

NOTÍCIAS DO LAR / NOTÍCIAS DE CASA de Amos Gitai por Otávio Cury

por OTAVIO CURY


O documentarista é um arqueólogo. O ficcionista, um arquiteto. Enquanto o primeiro escolhe um ponto de partida para suas escavações, até achar algo que conte uma história, o segundo constrói um cenário a partir da sua imaginação. Amos Gitai discorre em off sobre a natureza do documentário enquanto imagens em travelling vão nos levando para o oeste de Jerusalém, mais especificamente para uma casa que o diretor escolheu como seu ponto de partida para investigar o conflito árabe-israelense.

Notícias do Lar / Notícias de Casa (News from home / News from the house
) é o terceiro filme de uma trilogia de documentários de Amos Gitai que começou em 1980 com “House” e seguiu com “A House in Jerusalem” em 1998. São 25 anos acompanhando os moradores de uma casa que parece ser a metáfora perfeita para discutir um conceito fundamental nos dias de hoje no Oriente Médio: o que é o lar, afinal de contas? Uma estrutura física, com paredes e telhado, ou um sentimento?

Não assisti aos dois primeiros filmes da trilogia. No que vi hoje na Mostra, o diretor vai atrás do que aconteceu com os personagens que conviveram com a casa, seja morando ou trabalhando nela, e constrói um retrato pouco animador a respeito das possibilidades de uma co-existência pacífica na região.

Abandonada por palestinos durante a guerra de 1948, a casa foi considerada vaga pelo governo israelense e passou a ser habitada por ocupantes judeus desde então.

O filme encontra os Dajani, família palestina que viveu na casa até a guerra. Foram moradores de Jerusalém por mais de 700 anos e, impedidos de voltar, hoje vivem dispersos por países árabes. Questionado como se sentia, um dos Dajani, entrevistado na frente da sua ex-casa, diz que não existe uma palavra nos idiomas que conhece para expressar tal sentimento. Ele estava de frente para o seu verdadeiro lar, que já não lhe pertencia mais. Para outro membro da família, a situação na região é como uma casa (de novo, uma casa) onde viviam palestinos até o dia em que foram expulsos por judeus que a ocuparam e abriram um buraco na parede pelo qual dizem: “Vamos negociar?”

O lado judeu é representado pela atual habitante da casa, uma judia de origem alemã. Ou um vizinho judeu, que vive numa situação similar, e que descreve o dia em que o antigo morador palestino tocou a campainha. O encontro durou alguns minutos - não havia muito o que falar.

Outros personagens entram e saem da tela para complicar ainda mais a situação. O último entrevistado é um cortador de pedras que trabalhou nas ampliações da casa, 25 anos antes. Não chegamos a conhecer sua opinião. Seu filho toma a atenção da câmera. Numa mistura de raiva e ironia, questiona Gitai do porquê de se preocupar com uma história tão antiga. Afinal, ele tinha uma outra, muito mais recente: ele foi condenado pelo governo israelense a demolir a própria casa pela simples razão de não ser permitido construir no terreno que pertence historicamente `a sua família.

Assistir aos filmes de Gitai - na ficção ou no documentário - é como ir até o Oriente Médio e encontrar pessoas de carne e osso, com sentimentos verdadeiros, desejos e frustrações que podemos entender. Entender muito mais do que reportagens sobre atentados e os discursos políticos de governantes que chegam até nós pelos noticiários.

Otávio Cury é diretor de documentário COSMÓPOLIS que foi exibido na 29a MOSTRA. Otávio é primo deste bloggueiro.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

finalmente Otavius apareceu no blog mais famoso da Mostra!

adorei a crítica e assim como ele, acredito nos filmes do Amoz Gitai como sendo viagens reais as vidas e almas do Oriente Médio.

1/11/06 21:08  
Anonymous Anônimo said...

Gostei tbém da participação do diretor de Cosmópolis por aqui... Só faltou a nota do filme...

2/11/06 02:21  

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