terça-feira, agosto 24, 2010

DZI CROQUETTES, de Raphael Alvares e Tatiana Issa


Filme ganhou o Festival do Rio, a Mostra de Cinema de São Paulo e o Festival Mix Brasil de 2.009




Treze homens peludos, travestidos de mulher , dançando e cantando como se numa espécie de cabaré colorido em coregrafias que lembravam ( ou deram origem?) a Bob Fosse.
Divertidos e irreverentes foram formados no final da década de 60, pouco antes do A.I.5 ,paradoxalmente na época recente mais triste e cinzenta da história brasileira.

Contado pela filha de um dos técnicos de iluminação do grupo, este documentário narra a história da formação, do apogeu nos anos 70 e do seu declínio com alguns de seus integrantes vítimas da Aids nos anos 80. O documentário tem toques auto-biográficos mas tem sua força no enorme valor histórico por resgatar uma brilhante memória do passado recente do Brasil que as gerações atuais não conhecem e que as anteriores praticamente esqueceram.

Numa época de repressão onde todo o diferente era proibido, qual a maior transgressão dos Dzi-Croquettes? Serem gays, anarquistas, apolítcos, amorais? Sua maior transgressão era serem LIVRES para poder ousar fazer o que quiserem, vestir o que quiserem, serem quem quiserem, independente do furacão político e moral que tomava conta do país.

Apadrinhados por Lisa Minelli que os consagrou no exterior os Dzi deram origem às Frenéticas e influenciam artistas até hoje como Miguel Falabella e Cláudia Raia, fãs fervorosos do grupo.
Liderados pelo americano radicado no Brasil Lennie Dale que levava o grupo com rigor exigindo perfeição nas coreografias, os Dzi Croquettes eram talvez o símbolo mais original da contracultura brasileira do anos 70 que numa época de terror e sufocamento, escoava pela liberdade total da expressão corporal todos os seus medos.

Olhando para uma época onde se vivia com intensidade e paixão, com engajamento e rebeldia e principalmente originalidade cultural e intelectual, vejo que hoje vivemos num mundo triste, careta e absolutamente sem paixão.
Falta um pouco de Dzi Croquettes nos dias de hoje....

sábado, agosto 21, 2010

COCALERO, de Alejandro Landes


Bolívia, 2005. Ano da eleição de Evo Morales.
Durante 60 dias este documentário segue os passos do pré-candidato e seus assessores, na maioria cocaleros, durante toda a Bolívia.
Se o filme não traz nenhuma surpresa cinematográfica ele traz, e muito, uma ampla discussão política podendo traçar paralelos à nossa situação eleitoral atual.

Imaginem a Bolívia como um círculo. Na metade direita fazendo divisa com o Brasil os departamentos (estados) de Santa Cruz, Beni e Cochamabamba, mais ricos ,mais industrializados, hegemones da política boliviana por anos.
Na metade esquerda os departamentos de La Paz, Pando, Oruro e Potosí, pobres, quase sem nenhuma infra-estrutura e com a maioria esmagadora de sua população indígena .

Eis que um líder indígena de Oruro se desponta entre os cocaleros, justamente contra a política americana de destruição das plantações de coca e se lança como um fortíssimo candidato da esquerda (literal e política) à presidência, prometendo melhorar a vida dos mais pobres.

Já vímos este filme antes? Pois Evo ganhou na Bolívia, Lula ganhou pela segunda vez no Brasil e está emplacando sua candidata, Correa ganhou no Equador....Todos em nome de seu povo.

Acabo de chegar de uma viagem intensa pela parte mais pobre da Bolívia e 5 anos após a vitória de Evo ela continua pobre.
No entanto, dentro da grande miséria boliviana muito foi feito no governo Evo nestes 5 anos, assim como muito foi feito por Lula no nordeste brasileiro nos últimos 8 anos, ou Dilma não estaria com mais de 70% das intenções de voto por lá.

Sob protestos ferozes da parte "direita"do círculo, o filme mostra personagens de Santa Cruz chamando Evo de índio analfabeto e que nunca quiseram ser governados por ele. A realidade é que a Bolívia hoje é um estado indígena, com uma liderança indígena e pela primeira vez na história conseguindo olhar para parte de seu próprio povo que nunca foi enxergada.

Se lá a divisão é entre esquerda e direita e aquí entre Norte e Sul, isso pouco importa. O que sabemos é que um governo nunca será eficiente se não olhar para todos os segmentos de sua sociedade. Na Bolívia está muito claro que isso não está sendo feito. Evo governa sem olhar para Santa Cruz e estados vizinhos que aliás já ameaçam separar-se de maneira praticamente irracional.
Evo vem criticando cada vez mais o "imperialismo capitalista" chegando a dizer absurdos como justificando a calvície dos europeus e o homossexualismo dos americanos ao excesso de hormônio na criação de seus frangos.
Além disso, graves questões de disputa política e econômica entre os estados governistas de Oruro e Potosí ameaçam levar este último para a oposição ,desestabilizando de maneira importante a atual configuração política do país.
A sensação que tive na Bolívia falando com pessoas apaixonadas por EVO e pelo MAS ( Movimento al Socialismo, seu partido) é de que o governo de Morales continua soberano e com o apoio da maioria, mas que a curva ascendente terminou. A tendência agora é que se aumente cada vez mais a insatisfação com seu governo uma vez que dificilmente ele conseguirá unir o país novamente.

Quanto à coca, o filme mostra com primazia que a planta nada mais é que um alimento e um remédio ao povo da região por mais de 10.000 anos e que se os americanos deturparam seu valor demonizando-a para proteger sua sociedade doente, isso não pode ser justificado queimando plantações e deixando o povo boliviano sem trabalho e sem parte de sua origem.
Como um velho cocaleiro diz no filme, a Coca-Cola ainda tem vastas plantações de coca em quase todo o território boliviano protegido com unhas e dentes e nunca destruído.
Afinal, Coca-cola é feita de que??





Foto tirada no "Museu de la Coca "em La Paz em agosto de 2.010

Vilarejo de San Juan no departamento de Potosí que estive há algumas semanas.

O radicalismo de Evo Morales começa a mostrar sua decadência através de frases como essa. No centro de La Paz, agosto de 2.010.

Casa com bandeira azul no telhado em Potosí. Sinal de apoio ao MAS (Movimento al Socialismo) e a Evo. A maioria das casas tem.



quarta-feira, agosto 18, 2010

UMA NOITE EM 67, de Renato Terra e Ricardo Calil

Qual a real relação entre a música brasileira dos festivais dos anos 60 e o descontentamento com a ditadura militar que marchava impiedosamente rumo ao AI 5?
Como proteger a música genuinamente brasileira da invasão pop americana e pop-rock inglesa?Banindo a guitarra elétrica, emblema do imperialismo?

Estas são questões levantadas no ótimo documentário sobre a final do 3o Festival de Música Brasileira da Rede Record , talvez o mais emblemático de todos.
Seus protagonistas travavam uma batalha que abrangia não só a qualidade musical mas também ideologias como a ruptura entre a MPB e o Tropicalismo. Entre eles ninguém menos que Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos...

O filme consegue ao entrevistar os finalistas e os organizadores do festival nos transportar com rigor à época e seu zeitgeist ao mesmo tempo que apresenta entrevista com os mesmos personagens 43 anos depois quando todos, sem excessão ,tentam não demonstrar qualquer resquício de saudosismo sem deixar de ressaltar a importância daquela noite na vida de cada um.

A constrangedora apresentação de Sérgio Ricardo foi talvez um dos melhores momentos do filme por mostrar a ferocidade da platéia assim como a clara divisão ideológica/musical com Ponteio de Edu Lobo e Roda Viva de Chico de um lado representando os puristas "velhos e ultrapassados" e do outro Alegria, Alegria de Gilberto Gil e Domingo no Parque de Caetano representando o diálogo com o Pop.

Além de seu valor político, sociológico e musical, o filme , através do festival consegue captar toda a paixão e todo o drama de um país dividido.

E concordo com Caetano. Apesar de Ponteio de Edu Lobo com sua alegoria revolucionária ter ganhado o festival, Roda Viva do Chico foi sem dúvida a mais emocionante e deveria ter ficado com o primeiro lugar.


Chico Buarque e MPB 4 na melhor música do filme

sábado, agosto 14, 2010

Festival de Venza 2.010 - Esse ano promete!

O Festival de Veneza que começa no próximo dia 01 de setembro reunirá vários de meus diretores prediletos.
Mesmo com a forte presença americana a seleção traz o sempre surpreendente François Ozon ( de Swimming Pool), Julian Schnabel ( dos sublimes O Escafandro e a Borboleta e Antes que Anoiteça), o controverso Vincent Gallo ( quem lembra da cena de felação em The Brown Bunny ?) e Tom Tykwer de Corra,Lola,Corra.
Entre os americanos ,destaque para Sofia Coppola de Encontros e Desencontros e Virgens Suicídas e Darren Aronofsky do inesquecível Requiem para um Sonho, um dos filmes mais marcantes da minha vida.
Comparando com Berlim e Cannes deste ano, Veneza promete mais!
E com Tarantino na presidência do júri provavelmente não teremos surpresas como o escalofobético prêmio dado em Cannes ao impronunciável ( e intragável) tailandês Apichatpong Weerasethakul de Mal dos Trópicos.

A VOLTA DO BLOG- 2 ANOS DEPOIS- AGOSTO DE 2.010!

A primeira pergunta que me vem a cabeça é "Por que parei de escrever no Blog?".
Ao invés de tentar encontrar respostas comuns como falta de tempo, excesso de trabalho, complexo de paternidade, etc.... achei mais importante focar em outra pergunta: "Por que estou voltando a escrever no Blog?".
Escrever sempre foi uma paixão. Cinema sempre foi uma paixão. As raras vezes que atingi a transcendência intelectual em comunhão com a emocional foi através do cinema.
Num momento em que os quarenta bateram à porta e que a maioria das perguntas dos ultimos 20 anos já tem resposta o equilibrio da segunda metade da vida muda. A equação entre razão e emoção fica mais clara e o domínio sobre elas permite escolhermos como aproveitá-las.
Aprendí com Jacob Goldberg que reprimir qualquer tipo de emoção pode trazer consequencias trágicas e saber escoá-las pode nos levar a uma satisfação plena.
Assim como num filme, nossa vida é um roteiro e nós a dirgimos podendo escolher as direções que o filme vai levar. Isso é um luxo.
Escrever sobre cinema com a visão de um telespectador comum sem pretensões acadêmicas ou críticas é a maneira que consigo transmitir minhas emoções junto com a sublimação da arte que tanto me fascina.
O Blog voltou depois de mais de dois anos, talvez mais maduro mas com a mesma visão-comum de antes e a mesma razão cérnica: A paixão pelo cinema.